sexta-feira, 2 de março de 2007

Ploc, James, e os cabelos ao vento

Polaquinho, a cidade anda muito estranha. Conversando com balzaquianos e balzaquianas pós-punk, gente que dançou The Cure e The Smiths, moçada que pulou atrás The Echo and the Bunnyman, fiquei sabendo de histórias por demais cabeludas. E bem no sentido estrito da palavra. Questões que perseguem o espectro das agonias capilares e chegam a reverberar nos folículos pilosos ao ponto de esmorecer suas cores vívidas e torna-los cãs pálidas e sem viço.

— É propaganda de Shampoo feito no MIT?
Sentado na praça de alimentação do Estação Plaza, a vida caminha a passos morosos. Seja nas calças largas que deixam a cueca aparecendo,(para quem não acredita, na Virgínia [o estado Americano, não a pudenta coprofílica], querem proibir isso) seja na maquiagem que voltou à moda carregando os olhos com sombras escuras como se a noite tivesse sido longa ou tivesse faltado gelo na aula de vale-tudo. Gente de todas as idades, pessoas de calça jeans rasgada feito Neil Young, camisetas com alfinetes em troncos magrelas feito Sid Vicius, rostos arredondados como os de Betty Bop, pernas cabeludas feitas do Lemmy, do Motorhead, ou seja, a fauna que se mantém up to date com o tempo que já foi e com os ídolos que hoje ou estão a sete palmos de terra ou cuidam para que os últimos fios de cabelo não escapem da careca.

— Onde ele quer chegar? Vamos, responda!

— Ele ta enrolando. É um babaca.

Na mesa ao lado, duas garotas conversavam. Uma delas mantinha a postura ereta, olhos vivos na movimentação ao redor, como se quisesse capturar o momento em sua dinâmica de filme noir. A outra, alguns dez ou quinze centímetros mais mignon, gesticulava assoberbada com o resultado de suas últimas decisões;

— Mas, você ficou muito ploc com esse cabelo punk new wave!

— Você acha?

— Completamente ploc. Só que antes você estava mais bonita. Daquele jeitinho loirinha e cabelo de princesa. Toda queridinha.

Polaquinho, Lair Ribeiro tem sua razão, assim como Paulo Coelho e muitos monges tibetanos. As palavras têm poder e são capazes de modificar a realidade de um modo que nem Cthulu, o senhor das sombras pode. Mal ecoou ao vento a última vogal, o rosto da menina (realmente, ela estava completamente ploc, seja lá o que isso signifique) sofreu a transmutação das transmutações. Feito a tempestade do fim dos tempos, seu olhar vivo aprofundou-se em um estado de catatonia pré-menstrual e que, como era de se esperar, redundou em um grito agudo e cheio de conseqüências. De um momento par ao outro, o que era uma praça de alimentação normal e agitada como deve ser uma praça de alimentação normal e agitada, tornou-se uma pequena praça de guerra normal e agitada. Corpos foram ao chão, pratos partiram e latas explodiram em uma ordem assimétrica de ano novo chinês. No curto espaço de tempo que durou o grito Munchano, o mundo krakhoviano retornou ao caos. Pelo menos até que o som silenciasse e a voz da garota soasse quase normal.

- eu sabia! Eu não devia ter feito isso. Quando ela terminou de arrumar meu cabelo eu falei que não era isso que eu queria. Que eu não era assim. Antes eu era diferente. Foi uma correria no salão, com gente trazendo água, levando cremes, ligando os secadores e mexendo com escovas no topete.

— Ah, o moicano ficou legal.

— Você acha?

— Totalmente ploc. Não era isso que você queria. Impressionar os modernos do Jame's?

Penso em minha mesa isolada e solitária, como a ilha do náufrago Tom Hanks, ou o ninho de amor de Robinson Crusoe e Sexta-feita, que nenhum homem é uma ilha, John Donne já dizia. Nem um homem é uma ilha, isolado de qualquer continente, no entanto, eu em minha ignorância contumaz, desolado da vida mundana que admite cabelos de mil formas a identificar

- Você não acredita. Na mesma loja que eu fui semana passada e ninguém quis me atender, eu apareci com meu visu novo e todas vieram falar comigo, me beijar, me perguntar se eu ia no Jame's e coisa e tal. De repente eu entrei na moda. Eu me vendi!
Tribos que existem desde sempre. Vendo as lágrimas nos olhos sem sombra escura pois

— Montada você deve ficar mais ploc ainda.

— Mas, diz de verdade. Ficou legal?
No final das contas, seja como for a produção, seja qual for o cabelo que cobre tua cabeça, mais vale um amigo na mesa que centenas de Colestons esvoaçando.

— Muito legal.

Wilson Sagae.
Publicado em 10/03/2005 no Jornal do Estado

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