segunda-feira, 5 de março de 2007

O Último Cigarro

Após aceso, quanto tempo dura um cigarro tragado entre palavras curtas, rápidas e ansiosas? Quanto tempo dura, especificamente, um Carlton Crema?

É por isso que não consigo parar de fumar. Por causa do ritual do último cigarro.
Antes de me despedir da Thaís, em frente à sua casa, dentro do Monza, a gente sempre fala:
"- Vamos fumar o último cigarro".

Aí cada uma pega o seu, passa o isqueiro uma pra outra, espera acender, numa espécie de comunhão de partilha. Então, entre baforadas, falamos nossas últimas impressões da semana, do dia, da noite, uma espécie de review das bobagens, adiando um pouco mais o adeus e a preguiça de ir embora.

Naquela noite eu saí sozinha ao encontro do carinha, não que ele soubesse ou estivesse esperando por mim, mas as expectativas estavam lá... E são elas as maiores culpadas, são elas que te mostram o que poderia ter sido e não foi, são elas que te abandonam depois de te mostrar o paraíso.

Após uma entortada de whiske sauer, cerveja e vários pré-últimoscigarros, às três da manhã a Thaís liga só pra checar como vão as coisas.

Do outro lado um urro horroroso.

- Cinthia?
- AHHSSSSSSSSSSSHHSHHUUUURUUURRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRR...
- Você tá bem?
- Nããããããããããããããããããoooooooooooooooooooooooooooooooo...

Só amiga mesmo para entender o endereço de onde eu estava em meio agritos e palavras irreconhecíveis. Thaís sai destrambelhada do bar, entra num táxi imaginando as piores coisas do mundo.

Ao chegar, encontra a cena: carro parado no meio da rua com portas abertas e as luzes acesas, Travis no último (não tinha um trilhazinha mais de acordo não?), maquiagem até o joelho, moicano descabelado, pés descalços, enfim, um horror.
Sabe a cara insana do Woody Alen dirigindo o carro no filme "Simples comotudo na vida"?

Eu me atiro nos braços da Thaís aos berros.

- Então amiga, vamos pra casa e você me conta o que aconteceu...
Eu não ouvia, estava surtada, em transe. Derrubei todas as tranqueiras da bolsa, e só saia gloss.

- Merda, não encontro nenhum lápis de olho.

Eu saio do meu carro discretamente - afinal, não queria acordar o mocinho - subo no capô do carro dele, levanto a saia, abaixo a calcinha, me agacho ecomeço a urinar.
Sabe aquele jato direto, forte e pungente que bate nalataria, escorre e espirra o jorro pra todos os lados? Eu estava querendo eliminar toda a dor que sentia, uma catarse, como se tudo que estivesse sentindo por dentro pudesse ser eliminado junto com todo o xixi.

Thaís, sem dizer nada, entra no carro, escorrega pra debaixo do porta-luvas tentando se esconder, como se isso fosse possível numa rua tranqüila de bairro, sem saída, com todos os vizinhos espiando através da cortina.

Horas depois em frente à casa da Thaís:
- E aí, vamos fumar o último cigarro?

Por Cínthia, há algum tempo atrás.
Publicado no Jornal Cornélio.
Bom, dá pra revelar - se é que algum leitor desse blog ainda não saiba -
que foi quase isso que aconteceu de verdade.

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