sexta-feira, 2 de março de 2007

Pais celibatários e cabelos superplocs

Vejamos, Polaquinho, o que realmente aconteceu. A coisa começou assim (digo coisa porque estou atrasado com este texto e preciso escrever sem pensar e se pensar muito acabo não escrevendo e cedendo às tentações do almoço)

Cin estava olhando pela janela do escritório e ajeitava os fios soltos de seu penteado. Apesar do corte de cabelo ploc ser um arrojo de cores e desfiados, as obrigações profissionais a impedem de despentear a peruca a contento. Sendo assim, olhando pela janela, encarando a rua Marechal Deodoro com aqueles olhos claros e perscrutadores, pergunta-se.
— por quê?

Qual o motivo que levou ele, aquele que devia ser seu grande amor da estação a agir como agiu. Sim, senhoras e senhores, como em toda história aqui temos nossa heroína pós-moderna, pós-punk, pós-secadores de cabelo e Welatton a buscar respostas aos dilemas existências de sua curta passagem terrena. Com o dedo indicador mantendo o ritmo cadenciado da música que escapa do alto-falante preso no teto, foge sua atenção para a noite anterior. A fatídica noite anterior.

(ok, aqui eu preciso interferir no relato e dizer que eu realmente acho imoral o que estou fazendo. Pela pura falta de o que dizer, vou dizer o que foi dito por outro. Plágio? Não, mas chega perto)

Cin arrumou-se como pode. Uma semana antes fez o corte de cabelo mais ploc que sua mente hipercriativa destrambelhou para que tudo estivesse bem assentado nesta domingo eufórico. Amanhecida ansiosa, acordou antes do nascer do dia e ligou para Batgirl perguntando se realmente.

— Você acha mesmo?
tomava a atitude correta.

— Se ele te convidou é porque ele quer que você vá.
Nem foi à feira do largo da ordem, ao invés disso evitou grandes trajetos para não cair na tentação de se empanturrar de guloseimas polacas e baianas. Ciente de suas muitas ansiedades e expectativas, preferiu reduzir a refeição matinal a uma mera bolacha acompanhada de chá de camomila — sem açúcar. Com o estômago um pouco menos vazio, encarou-se pela sétima vez em um dos espelhos da casa – isso desde que acordou – e fez careta.

— Droga.

Acendeu um cigarro e foi até o banheiro e deu uma bela vomitada, desfazendo em ácidos estomacais as frustrações que antecipava em idéias. Afinal, o que o cara queria convidando-a depois de tanto tempo. Já se conheciam fazia anos e nunca ele deu sinal algum. No máximo uma balinha ou um bombom comprado e dado de forma casual e um passeio de negócios. E isso, como todos sabem, nada mais é que estratégia de sedução empresarial. Para os chefões Veuve Cliquot, para subalternos, balinhas e bombons sonhos de valsa e dancinhas sem conseqüências maiores.

— Droga.

Sem conformar-se com a face pálida e achando que o corte de cabelo — apesar de estar superploc — não condizia com sua imagem de jovem arrojada (as pessoas acham que a vida acaba aos trinta anos. Cá estou eu para dizer que é mentira. Na verdade a vida acaba aos vinte e dois anos. Quando a adolescência entre na fase três, todas as esperanças reduzem-se ao dinheiro que temos na carteira para pagar as pequenas vontades. Grandes sonhos, fiquem na cueca da Madonna)

Cin apagou o cigarro e foi escovar os dentes, cuidadosamente, uma a um para garantir o mais branco dos brancos. As horas passam. O domingo se consome na TV a cabo e nos telefonemas para Batgirl.
A vida é assim mesmo, podemos convir, Polaquinho, mas poderia ser mais. Cin pula o almoço e pesa-se no banheiro. Uma diferença mínima de duzentos gramas. Talvez um doce...

— Não. Um segundo na boca, eternamente nos quadris.

Cin lembra-se que não é assim que deseja ser lembrada. Deita-se no sofá da sala e pergunta par ao pai o que ele vai fazer a noite. O pai responde que vai

— Assistir o Fantástico, como todas as noites e muda o canal, procurando algum bom jogo de futebol.

Cin pensa se a vida resume-se a isso. O anos passados, acomodar-se ao mundo da telinha e sonhar apenas com o que não foi e com o tempo perdido até chegar à velhice.

— Pai, o senhor acha que eu devo casar?

O pai levanta-se vai até a cozinha e volta com um belo prato de macarrão frio do almoço.

— Quer?

— O senhor não respondeu.

— A vida é assim. A gente nasce, cresce, casa, deita no sofá e come o macarrão frio do almoço enquanto espera que o ciclo se perpetue.

— Eu não quero isso pra mim.

— Então não casa.

O macarrão vermelho cai em fios pelo queixo e marca a camiseta branca com um caminho minhoca. Cin levanta-se e vai até o banheiro e se pesa novamente. Duzentos gramas e nada mais. Volta e senta-se ao lado do pai. Com o garfo que trouxe da cozinha, pega pesadas garfadas. O domingo avança. Segunda-feira, nada devia ser como foi. Cin olha pela janela e seu cabelo ploc não se ajeita. Ontem foi trágico, mas podia ser pior. Pelo menos existe Viagra.

— Se ele ao menos tomasse.

O pensamento de seu pai tomando Viagra faz Cin levantar e encher a caneca de café, com bastante açúcar.

— Depois que nascem os filhos os pais deviam virar celibatários. Que horror!

Wilson Sagae, escritor, sócio do Bureau de Fatos, amigo, motoqueiro e samurai nas horas vagas.
Publicado no Jornal do Estado

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