quarta-feira, 4 de julho de 2007

Ciranda de Egos

Por Adriane Pasa

Há um fenômeno muito curioso que acontece nos bares de Curitiba. Nos bares do mundo todo, é verdade, mas como moro aqui e não gosto de falar dos cafés de Paris – pois corro o risco de parecer arrogante e neste texto não posso passar tal impressão, mesmo porque não é verdade -, vou me limitar aos arredores desta linda cidade polaca, habitada pelo gigante Dalton Trevisan.
Refiro-me às pessoas de grande intelecto e culturalmente ricas – pelo menos aparentemente -, que insistem em conversinhas eruditas com alto teor de vaidade, quando seria bem melhor se elas somente trocassem experiências. Não há nenhum problema em falar sobre filmes, música, literatura e belas-artes, aliás, é ótimo. Adoro esses assuntos e eles fazem parte do meu universo, da minha formação, do meu gosto. Porque minha cultura não é “cultura de ontem”. Minha formação cultural é bem interessante, para alguém que não nasceu em berço de ouro. Sim, pois como diz minha amiga Cínthia e eu concordo, quem nasceu rico e papai pagou tudo, deveria ter a obrigação de ser culto e fodão. No mínimo, ser bem sucedido em seu meio. No mínimo, ter lido muitos livros, visto muitos filmes bons e saber separar o feijão do caviar.
Minha história é modesta, mas com momentos bem memoráveis. O início foi quando eu tinha 10 anos e minha mãe me entregou um catálogo do Círculo do Livro. “Escolha um livro por mês, você e seus irmãos”, lembro-me bem. Apesar de minha origem ser de uma família simples e de classe média baixa, tive muita sorte de ter pais sensíveis e conscientes e muitos amigos cultos ao longo dos anos. Sim, pois na formação cultural das pessoas a influência dos amigos e do meio é essencial. E é claro, também não vou me desprezar, uma grande sensibilidade de minha parte para perceber as coisas boas caiu muito bem.
Minha mãe não é uma pessoa culta, portanto, não pôde me orientar na escolha de um primeiro livro de alta literatura. Simplesmente escolhi. Ciranda de Pedra, Lygia Fagundes Telles. Li três vezes seguidas. É claro que não absorvi metade da grande Lygia, de seu estilo forte e sua narrativa impactante. Mas a história me emocionou de tal forma que isso eu carrego até hoje em minhas escolhas. E é de emoção que eu sinto falta nessas conversas de hoje em dia. As pessoas estão mais preocupadas em competir e se auto-afirmar do que realmente trocar. Troca. Essa é uma palavra esquecida. Distorcida. Todos querem provar que sabem o nome do diretor do filme, a nacionalidade do tal autor, que a cena da peça teatral foi baseada no livro tal e por aí vai. Mas é tudo tão artificial e chato. Muito chato. Baseado em cultura de Google e de frases baratas de efeito. Procuro fugir de gente assim e dessas conversas vazias e pretensiosas. Nada a ver comigo. Nadinha. Gosto de gente simples em sua definição mais nobre, gente única, genuína. Prefiro conversar com meu porteiro.
Hoje ninguém está interessado em sugerir algo bacana para o outro ou aprender coisas novas – sim, pois tudo já sabem – e aproveitar o que a cultura tem de melhor: a diversidade e a facilidade de fazer com que as pessoas se aproximem. Não vejo mais ninguém falar da emoção que um Borges ou um Cortázar podem despertar, descrever suas impressões em torno de seus textos. Só vejo uma necessidade tola de citar os títulos dos livros e seus prêmios. Não vejo mais ninguém se empolgar quando fala dos personagens de Chaplin, Bergman ou Godard. Há apenas uma preocupação em situar cronologicamente seus filmes e encher a boca para despejar mais e mais nomes.
Não percebo mais o honesto e legítimo interesse nas artes plásticas, na música, na literatura, o que nos faz sentar numa roda de amigos e sentir uma necessidade verdadeira e até visceral de dividir tudo com eles de uma forma simples, sem maiores pretensões. Tem algo melhor do que voltar de uma Bienal de Arte de São Paulo, todo mundo num misto de cansaço e indignação, deslumbramento e dúvida? Dar muita risada depois de sair de uma peça de teatro péssima e se sentir um idiota, afinal, poderia ter ido ao cinema assistir aquele filme que você estava tão a fim. O bom mesmo é trocar idéias, informações e sensações que realmente são urgentes em nossa vida tão louca.
Não tem nada melhor do que conversar com gente de boa auto-estima, que não tem nenhuma necessidade de provar nada e que tem bagagem cultural de verdade o suficiente para ouvir o outro sem medo de se sentir menos.
Tenho uma amiga, uma socióloga, que tem pós-doutorado em Londres, um milhão de especializações, é artista plástica, crítica literária, poliglota, escreve para revistas do mundo inteiro e é a pessoa mais culta que eu já conheci na minha vida. Cada vez que estamos reunidos com ela, nos sentimos como se um mundo inteiro estivesse diante de nós. E realmente estamos. Mas ela é inteligente o bastante para não se importar só com o que sabe. Ela tem uma frase que fica excelente quando sai de sua boca: “Detesto gente arrogante”.
Na maioria das vezes prefiro ficar bem quietinha a me meter a discutir com esses falsos intelectuais. Alguns até sabem sim, têm informação. Mas só isso. Informação e ponto. São incapazes de perceber se uma obra realmente mexeu com eles. Incapazes de admitir que o outro também saiba o que eles sabem, pois não enxergam nada além do seu umbigo. Engraçado, para mim todas as formas de arte são exatamente o oposto de tudo isso. Sem falar naqueles que ousam a se comparar com grandes personalidades. É o fim do mundo.
Não vou terminar citando nosso conterrâneo Dalton (só para parecer íntimo), pois não conheço nenhuma frase dele. Tão discreto, o Dalton. E olha que ele é o máximo. Podia ser um exibicionista, se quisesse. Termino com uma frase de Lygia Fagundes Telles - minha experiência infantil e adorável -, que do alto de sua grandeza literária consegue ser assim, tão simples e resumir o ato criador de uma forma tão bonita:

"Alguns dos meus textos nasceram de uma simples frase ou de alguma imagem que eu vi e retive. Outros, nasceram em algum sonho, enfim, a maior parte destas ficções talvez tenha sua origem lá nos emaranhados do inconsciente - zona vaga e obscura como um fundo de mar. O ato da criação é sempre um mistério”.

2 comentários:

Kely disse...

adorei o texto Adri, e o almoço também... bjs pra vc e para a Acim

Gil disse...

Ah, prima querida, quanta saudade! Adorei seu texto. Será que um dia nossas correrias terão urgência em nos ver sentadas juntas apenas conversando?