terça-feira, 3 de julho de 2007

Exposição em comemoração aos 25 anos do Blade Runner



A exposição idealizada por Horácio, realizada por Adriane
e pela Livrarias Curitiba. E a arte do flyer por Fernanda Higa.


PARABÉNS! Vai arrebentar.

Leiam esse texto! Vale a pena demais.

REGISTRANDO O IRREAL: A longa parceria entre Cinema & Ficção Científica

Vidal A. A. Costa

NASCIMENTO ATRIBULADO

Desde o seu surgimento o cinema mantém uma ligação com a ficção científica, apesar de ser uma relação que nem sempre se deu sem ressalvas, pois convivia e, de certo modo ainda convive, com um preconceito relativo à natureza fantasiosa do gênero e elementos indissociáveis da sua linguagem, como o uso quase mandatório de efeitos especiais.
No entanto, aquele que é considerado o primeiro filme com narrativa era uma obra de ficção, “Le Voyage dans la Lune” (“A Viagem à Lua”, 1902), inspirado na obra homônima de Júlio Verne. Seu criador, Georges Méliès, foi um dos primeiros gênios do cinema, no momento em que este ainda era uma arte recém-nascida. Enquanto outros exploravam as possibilidades do registro da imagem em movimento, ele ia além, com produções nas quais se interessava em capturar cenas que não se limitavam às fronteiras do real. Para isso, ele desenvolveu técnicas que ainda hoje são usadas, assim como os próprios fundamentos da utilização da câmera, desde a múltipla exposição até o reconhecimento do corte como ferramenta narrativa.
Já célebre, ele decidiu investir tudo em uma idéia inovadora, uma produção que possuísse os elementos de uma história completa, introduzindo personagens, cenas interligadas por um roteiro e até diálogos extensos, rompendo com o modelo das produções de poucos minutos, focalizadas em um só ponto e sem movimento de câmera. Embora outras tentativas semelhantes tenham sido identificadas, “A Viagem à Lua” foi o que teria maiores repercussões para a história do cinema. Mas, infelizmente, não para seu crédito e sim para o do inventor norte-americano Thomas Edison, que fez cópias do filme e o apresentou em larga escala nos Estados Unidos, ganhando milhões enquanto George Méliès era obrigado a declarar falência e terminava seus dias na pobreza.
O mundo fantástico de Méliès se tornaria passado e, quando David W. Griffith definiu a linguagem do cinema em “Birth of a Nation” (“O Nascimento de uma Nação”, 1915) e “Intolerance” (“Intolerância”, 1916), era para o passado que ele dirigia seu olhar, e não para o futuro.

GRANDEZA E TRIVIALIDADE

A era de otimismo advinda com o fim da I Guerra Mundial levou à diferentes expressões no mundo do cinema, e a relação do mesmo com a ficção científica gerou produções também muito diferentes.
Neste momento, autores pioneiros da ficção científica, como H.G. Wells, eram respeitados e seus trabalhos não se distinguiam dos de outros gêneros literários, a despeito dos temas futuristas. Por isso cineastas de grande prestígio puderam voltar-se para esse gênero sem receio de perder o respeito de seus colegas ou do público. E isso era ainda mais verdade na Europa, principalmente na Alemanha, onde o passado talvez não parecesse ter tantos atrativos.
O Reich Alemão, derrotado em 1918, se transformara na breve República de Weimar, que prosseguiu incauta enquanto a sociedade alemã se radicalizava na direção do nazi-fascismo. No cinema, esse foi o tempo do Expressionismo Alemão, e um de seus momentos mais marcantes deu-se através de um olhar para o futuro: o emblemático “Metropolis” (1928) de Fritz Lang.
Criada nos Estudios Babelsberg e apresentada pela primeira vez em 1927, essa produção foi o mais caro de todos os filmes mudos, custando o equivalente a 200 milhões de dólares em moeda dos anos 20. Uma fantasia Art Deco onde a metáfora da Babel bíblica servia para apresentar o panorama da luta de classes em uma sociedade opressora onde os sonhos das elites se convertem no pesadelo dos trabalhadores. O roteiro de Thea Von Harbou e a visão de Fritz Lang construíram um universo imaginário, pleno de imagens poderosas, discutindo a luta entre os paradigmas do capitalismo e comunismo.
Em outro de seus trabalhos, “Frau im Mond” (“A Mulher na Lua”, 1931), a reflexão política e social dá lugar à pura antevisão, território por excelência da ficção científica, com a recriação minuciosa de uma viagem à Lua,da ausência de gravidade ao movimento orbital e incluindo o uso de um foguete de múltiplos estágios para a viagem, assim como de um detalhe: a contagem regressiva para o lançamento. Criada apenas pela necessidade de assegurar a eficácia dramática da cena em um filme mudo, essa característica influenciaria os jovens cientistas alemães, incluindo o Dr. Wernher Von Braun, que anos mais tarde seriam os responsáveis pelo desenvolvimento das bombas voadoras nazistas e, depois da guerra, por grande parte dos programas espaciais da Rússia e dos Estados Unidos.
Com a chegada do cinema falado se ampliaram as possibilidades narrativas, enquanto a sétima arte seguia, já estruturada em gêneros e com uma estrutura normatizada que determinava inclusive um tamanho médio para as produções, garantindo durações previsíveis e, através dessas, um número controlável de sessões para as salas de projeção. Os lucros dos estúdios de Hollywood eram inimagináveis, pois o cinema era o maior fenômeno de entretenimento do mundo, uma posição que não seria questionada mesmo pela recessão causada pelo crash da bolsa, em 1929.
Mas, enquanto na Europa a ficção científica tinha espaço para apresentar grandes idéias ao público pelo viés da imaginação, nos Estados Unidos ela ainda estava para ser reconhecida como gênero no mercado cinematográfico, com produções que se voltavam mais para a fantasia ou mesmo para o horror. Havia exceções, desde os tempos do cinema mudo, como o clássico “The Lost World” (“O Mundo Perdido”, 1924) de Harry Hoyt, inspirado no trabalho homônimo de Sir Arthur Conan Doyle. Mas, no geral, a expectativa de retorno financeiro das mega-produções determinava uma abordagem conservadora na seleção de roteiros, com uma preferência por autores estabelecidos e por temáticas mais acessíveis.
Os estúdios da Universal lançaram obras que, mais tarde, seriam consideradas essenciais dentro de uma visão mais ampla, a do Cinema Fantástico, como “Frankenstein” de James Whale ou “Dracula” de Tod Browning (ambos de 1931), inspirados respectivamente nas obras de Mary Shelley e de Bran Stoker. Mas, esses clássicos que revelaram ao mundo Boris Karloff e Bela Lugosi, são associáveis à ficção científica mais devido à sua linguagem de impacto visual do que à sua temática, que remete ao Romance Gótico Vitoriano e aos seus antecedentes. Nesse aspecto, aproximam-se mais de filmes como “The Thief of Bagdad” (“O Ladrão de Bagdad”, 1924) de Raoul Walsh e Douglas Fairbanks, onde a literatura escapista, inspirada nas “Mil e Uma Noites” de Sherazade, era o fio condutor de uma aventura tornada ainda mais espetacular na refilmagem de Alexander Korda, de 1940.
Com um tom mais sério e tenso, os clássicos de terror constituíram um filão de sucesso em Hollywood, sem no entanto fixar-se em um formato padronizado. Pode mesclar-se com a fábula para nos legar “King Kong” (1933) de Merian Cooper e Ernest Schoedsack, onde o grande macaco é metáfora da natureza furtada, transformada em espetáculo e finalmente destruída pela civilização gananciosa. Ou pode ainda aproximar-se mais da ficção científica propriamente dita, inspirando-se em H. G. Wells para oferecer “The Invisible Man” (“O Homem Invisível”, 1933) de James Whale.
Mas essas produções conviviam com um outro cinema de ficção, uma forma hoje quase esquecida da sétima arte… os seriados de meia hora, produções baratas que eram exibidos nas “matinês” e que, tanto ou mais que as novelas de rádio, foram os antecessores das séries de televisão. E apesar dos roteiros simples, cenografia primitiva e interpretações às vezes embaraçosas, muitos desses trabalhos exibiam claramente a centelha da ficção científica, antecipando formas e idéias futuras mesmo quando sua preocupação maior era de entreter um público infanto-juvenil que só queria acompanhar as aventuras de seus personagens favoritos.
Assim, os quadrinhos de Alex Raymond inspiraram “Flash Gordon” (1936) de Frederick Stephani, onde o corpo musculoso de Buster Crabbe (Flash) e as roupas sedutoras de Jean Rogers (Dale Arden) e Priscilla Lawson (princesa Aura), conviviam com imagens de raios laser e aparelhos chamados de tele-visors.
E havia muitos outros, a maioria produzidos pelos estúdios da Universal ou da Republic, que competiam com toda sorte de produções, incluindo seriados de espionagem e até westerns. Mas dentre todos, talvez permaneçam como mais memoráveis os de ficção científica, citados até por astronautas décadas mais tarde, como é o caso de “Buck Rogers” (1939) de Ford Beebe e Saul Goodkind, inspirado nos quadrinhos de Dick Calkins.
Mas na Europa a ficção ainda teria uma última grande obra, às vésperas da guerra que mudaria o mundo. E o filme em questão se voltava justamente para essa guerra que então ainda era futura, para oferecer imagens aterrorizantes do que estava para acontecer. Será novamente a imaginação incomparável de H. G. Wells a responsável por esse vislumbre da humanidade na era dos bombardeiros indiscriminados de populações civis, das armas bacteriológicas e do fim da civilização.
“Things to Come” (“Daqui a Cem Anos”, 1936) de William Cameron Menzies e Alexander Korda, contou com o auxílio do próprio H. G. Wells na produção, resultando em uma obra de mensagem poderosa contada através de uma estética marcante e do duelo de interpretação entre Raymond Massey, Ralph Richardson e Cedric Hardwick.
Esse grande filme encerrou a participação da ficção científica nessa era dourada do cinema, antecipando com detalhes a realidade da II Guerra Mundial, que logo engoliria a tudo e tornaria triviais todas as grandezas hollywoodianas.

SERIEDADE E DIVERSÃO

Com o fim da II Guerra Mundial grandes tradições cinematográficas, como a alemã, tornaram-se memória do passado, enquanto outras tentavam recuperar seu lugar em um mundo que estava se reconstruindo.
E o Cinema Fantástico não demorou a se fazer presente com obras-primas cheias de atmosfera e simbolismo, como “La belle et la bête” (“A Bela e a Fera”, 1946) de Jean Cocteau, ou com primorosas criações técnicas com efeitos especiais, onde a fábula dava lugar à pura antecipação futurista, como “Destination Moon” (“Destino à Lua”, 1950) de Irvin Pichel, inspirada na obra do mestre da ficção científica Robert Henlein.
Naquela época otimista do pós-guerra, a literatura de ficção, que experimentara um crescimento de popularidade desde os anos 30, convivia com a realidade de foguetes espaciais e armas atômicas, que pareciam legitimá-la e que tornavam familiares seus conceitos, até então província apenas dos aficionados do gênero.
Revistas de ficção científica, como a “Amazing” (fundada em 1926 e publicada até 2006) ou a “Astounding” (fundada em 1930 e publicada até hoje, com o nome de “Analog”), haviam se tornado o veículo por excelência para toda uma geração de autores que se tornariam referência, muitos sendo chamados para trabalhar nas produções do cinema e da nascente televisão, para onde os seriados estavam começando a migrar.
Os anos 50 seriam a era desses novos seriados para TV, que logo se converteriam nas séries que dominaram a programação televisiva a partir de então. Muitas dessas primeiras produções se perderam, pois eram transmissões ao vivo, semelhantes às antigas novelas seriadas das rádios. Os enredos eram variados, mas muitos envolviam é claro viagens espaciais, e influenciariam muito do que seria feito no gênero nas décadas seguintes.
Mas seria no cinema que a ficção científica alcançaria sua maturidade como linguagem, encontrando uma mídia capaz de oferecer imagens à altura dos sonhos que povoaram a imaginação de seus autores desde os tempos das dime novels do século XIX, e além. Este potencial, no entanto, só seria alcançado muito tempo depois, por enquanto os filmes ainda estavam às voltas com as limitações técnicas dos efeitos especiais disponíveis, bem como os parâmetros mercadológicos que sempre nortearam as decisões dos grandes estúdios.
As produções sérias continuaram a ser pouco numerosas, conservando também um olhar imbuído de uma dimensão política, social e até filosófica, gerando filmes que se tornariam marcos do cinema de ficção, influenciando a estética e a temática de muito do que foi feito depois.
“The Day the Earth Stood Still” (“O Dia em que a Terra Parou”, 1951) de Robert Wise, apresenta uma situação de primeiro contato, na qual o alienígena Klaatu aparece como uma figura demiúrgica que passa da complacência à firmeza diante do confronto com a mesquinhez da raça humana. Interpretado por Michael Rennie, o personagem é um dos primeiros de uma longa tradição de aliens que funcionam narrativamente como parâmetros da humanidade, cujo comportamento benigno endurece à medida que a nossa natureza lhes é revelada. Mas Klaatu também é a consciência de uma era na qual o poder atômico se transformara de promessa de futuro em ameaça do presente, com a perspectiva da destruição do mundo, no holocausto nuclear. Quando fala, não a um governo, mas a todos os habitantes da Terra, o alienígena volta-nos um olhar duro que é espelho daquele que lhe oferecemos e que nos chama às falas por nossa insensatez.
A guerra volta a ser o tema na primeira versão cinematográfica de “War of the Worlds” (“Guerra dos Mundos”, 1953) de Byron Haskin, inspirada na obra homônima de H. G. Wells. Mais do que pacifista, a história é um libelo em que ambos os lados são vítimas, pois o objetivo é descrever a futilidade da própria guerra. Ambientado nos Estados Unidos e concebido no momento em que o mundo vivia sob a égide da Guerra Fria, o filme tem uma mensagem diferente da versão original de Wells, na qual o imperialismo é que era posto em cheque através da inversão de papéis que impõe a pergunta: e se fôssemos nós os invadidos? Essa idéia fica de lado da versão dos anos 50, só reaparecendo na sua refilmagem de 2005 por Steven Spielberg, em uma clara denúncia dos horrores cometidos pelos Estados Unidos na Guerra do Iraque… resgatando a imagem grotesca criada por Wells do invasor sugando o sangue do povo que conquistou, em uma crítica perfeita de todas as nações imperiais. Este é o tema oculto que passou despercebido a um público ignorante da história original, que esperava um filme de ação com a vitória indiscutível do herói interpretado por Tom Cruise. Mas em ambos os filmes o lúcido pessimismo de Wells está presente na noção de que não há vencedores nas guerras, só há aqueles que sobrevivem, e o fazem apenas por sorte e não por obra de alguma anunciada superioridade.
Em outro trabalho indispensável, “Forbidden Planet” (“O Planeta Proibido”, 1956) de Fred Wilcox, a história de Irving Block e Allan Adler é inspirada na última peça de Shakespeare, “A Tempestade”, mas inverte o seu sentido, adicionando um viés psicológico e trágico para a figura de Morbius (Próspero na versão shakespeariana), cujo desejo de conhecimento libertou uma força que toda a sua racionalidade não era capaz de dominar: o seu próprio inconsciente. Com efeitos inovadores e requintados para a época, o filme possuía uma narrativa típica de ficção, onde o ritmo lento do enredo se acelera apenas nos momentos de descoberta e o desconhecido se revela sempre a contragosto. Sob uma trilha que foi a primeira inteiramente realizada com música eletrônica, a árida paisagem alienígena de Altair IV é o panorama de uma história que mantém um tom em que o sinistro se mistura com o solene, com insinuações de sensualidade e momentos deslocados de humor… uma descrição que poderá, a partir de então, ser reconhecida em muitos outros clássicos do gênero.
H. G. Wells voltaria a ser a fonte para “The Time Machine” (“A Máquina do Tempo”, 1960) de George Pal, que aqui dirigiu, mas era célebre como produtor de vários outros clássicos do gênero. Sem se distanciar muito da história original, o roteiro de David Duncan enfatiza o pessimismo de Wells, com o futuro aparecendo como uma sucessão de guerras infrutíferas e culminando na divisão do mundo entre os serenos Eloy e os selvagens Murlocks, vítima e opressor, presos em uma relação sintetizada pelo canibalismo, onde toda fuga é efêmera e mesmo o toque de esperança é repleto de perda e melancolia. Bem diferente da sua refilmagem de 2002 por Simon Wells (bisneto de H. G. Wells), em que os próprios motivos do viajante do tempo (seu otimismo e sua fé na humanidade que serão destruídos pelos horrores que vai testemunhar) são transformados no desejo vulgar de salvar sua amada… um tema original sério se desfazendo perante um novo roteiro que estaria mais à vontade em outro tipo de produção.
Mas a década de 50 não produziu somente esse tipo de cinema de ficção, pois a era de prosperidade nos anos que se seguiram ao final da II Guerra Mundial foi responsável por uma alteração no perfil do mercado consumidor, com o surgimento de um novo público alvo: os jovens e adolescentes. Em um fenômeno que começou mais cedo e foi muito mais forte nos Estados Unidos, todo um segmento social anteriormente ignorado passou a ser reconhecido objetivamente pela industria do entretenimento. E isso não ocorreu em meio a um vácuo de reação, no qual este público se tornaria alvo passivo de uma ação delimitadora de seus gostos. O crescimento da escolaridade associado às perspectivas econômicas estimulava uma juventude ativa e dinâmica, ao mesmo tempo em que as restrições das sociedades ainda conservadoras levavam à uma reação inevitável.
Para dar conta dessa rebeldia nascia um novo gênero musical, o rock and roll, oferecendo-lhe uma poética própria, além de contribuir para a construção mais ampla de valores éticos, estéticos e morais. Todavia, o rock não estava sozinho neste processo, sendo parte de uma amálgama que eventualmente passaria a construir o fenômeno da cultura pop, e terminaria por abarcar fenômenos diversos: da poesia beatnik à música eletrônica de vanguarda, ou ainda das histórias em quadrinhos aos filmes “B” de terror e ficção científica, entre muitos outros.
Apesar de ser visto com desdém pelos críticos, esse tipo de cinema era responsável por atrair multidões às pequenas salas de exibição, aos parques de estacionamento e aos drive-ins, onde turmas de amigos se reuniam e namorados podiam encontrar-se longe do olhar vigilante dos pais.
Como os antigos seriados, estes filmes eram baratos e com efeitos nada especiais, mas muitos misturavam roteiros densos e tramas inquietantes, discutindo a natureza humana por vieses que só são possíveis à ficção científica, visto que esta não está restrita pelos limites do realismo, trabalhando mais com arquétipos do que com personagens.
Enquanto os filmes produzidos sob o patrocínio do Estado faziam a apologia da energia nuclear e da própria bomba como ferramenta da paz e não da guerra, as “inócuas” produções “B” se concentravam no oposto. As possibilidades destrutivas do átomo, a falibilidade da ciência, a tensão palpável da Guerra Fria e a perspectiva do holocausto nuclear… todos eram temas válidos para um público jovem que não estava acostumado a confiar cegamente nas promessas dos poderosos.
Os quadrinhos, o cinema e a nascente televisão refletiam uma realidade em que abrigos anti-atômicos eram construídos até no fundo dos quintais nos Estados Unidos, funcionando como termômetro para uma geração que viria a ser conhecida como os babyboomers (de baby boom termo cunhado para se referir à explosão de nascimentos do pós-guerra). A garantia da mútua aniquilação e a paranóia do mundo dividido eram o assunto de filmes como “Invasion of the Body Snatchers” (“Vampiros de Almas”, 1956) de Don Siegel, onde um a um todos os habitantes de uma cidade são substituídos por cópias, anunciando a certeza de que não há defesa diante de um inimigo invisível que mina a sociedade de dentro para fora. Um drama psicológico onde os alienígenas invasores são citações permissíveis no momento em que a sociedade americana vivia a psicose da era do Senador Joseph McCarthy, com a infame caça aos comunistas. Essa não tinha sido a primeira vez em que esse tema havia aparecido (entre outros, vale citar outro clássico: “It Came from Outer Space”, 1953, de Jack Arnold), porém em “Vampiros de Almas” o crescendo da tensão, a natureza desesperada do protagonista e a forma da alteração (ocorre quando as vítimas adormecem) parece inverter a trama, fazendo das duplicatas não tanto agentes infiltrados de um poder estrangeiro, mas referências encobertas aos complacentes cidadãos norte-americanos, transformados em conchas ocas de si mesmos, indiferentes ao fim de sua liberdade.
Além de guerras interplanetárias e encontros com extraterrestres, havia enredos que se voltavam para os perigos da energia atômica, os abusos da ciência ou os encontros com o desconhecido. Isso também levou ao surgimento de toda uma nova geração de monstros, alguns memoráveis, como o ser anfíbio de “Creature From the Black Lagoon” (“O Monstro da Lagoa Negra”, 1954) de Jack Arnold, ou o próprio Godzilla, o Rei Lagarto criado por Eiji Tsuburaya para os inúmeros filmes da Toho Film Company. Mas esses foram poucos, se comparados à grande quantidade de trabalhos que representava pouco mais do que um encontro com a aventura sem compromissos, racionalizações ou preocupações com a qualidade, no caso inexistente, dos efeitos especiais.
Entretanto, em meio a figuras como Eddie Wood, (chamado carinhosamente pelos seus próprios fãs de “o pior diretor do mundo”) havia muitos que estavam mais para Roger Corman, cineasta que nasceu nos filmes “B” para acabar alcançando uma inesperada projeção a partir dos anos 80.
Essa foi uma era de incomparável produtividade, que se mostraria mais tarde uma referência permanente, tanto para os que buscassem uma ficção científica séria como para os interessados em pura diversão.
Conforme os anos 60 se encaminhavam para a explosão da Contra-Cultura e continuava a Guerra do Vietnã, parecia cada vez mais insensata a lógica militar. Fazendo da possibilidade do holocausto nuclear um tema sério o bastante para atrair o talento de um dos maiores diretores da história do cinema, resultando em uma comédia sinistra que é mais realidade assustadora do que ficção científica. Em “Dr. Strangelove” (“O Dr. Fantástico”, 1964) de Stanley Kubrick, todos os dados técnicos, e mesmo alguns dos diálogos mais desequilibrados, são totalmente autênticos, dos números apresentados para as esquadrilhas de bombardeiros, às afirmações do Gen. Turgidson, interpretado por George C. Scott e inspirado na personalidade psicótica do Gen. Curtis LeMay, líder do Comando Aéreo Estratégico dos Estados Unidos.
E em “Planet of the Apes” (“O Planeta dos Macacos”, 1968) de Franklin J. Schaffner, que subverte e acrescenta elementos à história de Pierre Boulle, descrevendo a estupidez da guerra como capaz de inverter o paradigma evolucionário, levando os símios a dominar o mundo… uma afirmação tanto mais audaciosa e surpreendente por ser anunciada nos Estados Unidos onde, mesmo agora, no século XXI, a Teoria da Evolução não pode ser ensinada nas escolas e o nome de Charles Darwin ainda é tabu.
Mas seria a realidade das viagens espaciais, unida à magia das trips psicodélicas que levariam o gênio de Kubrick a criar aquele que muitos consideram o filme definitivo de ficção científica, “2001: A Space Odissey” (“2001, Odisséia no Espaço”, 1968), baseado no conto “The Sentinel” (“O Sentinela”) de Arthur C. Clarke. O próprio Clarke cuidou do enredo, transformando a história do guardião deixado para vigiar a humanidade em uma viagem que cruza o abismo entre o Neolítico e a Era Espacial em busca de um sentido simbólico para a aventura humana. Depois de “2001”, nunca mais a ficção científica pôde ser feita como antes, com a estética de suas cenas espaciais influenciando tudo que viria a ser feito desde então.
Esse filme pode também ser escolhido para demarcar o fim de uma era… uma produção complexa, na qual tema e narrativa são indecifráveis ao espectador casual, demandando uma dedicação muito maior. Somente o cinema sem compromissos mercadológicos do soviético Andrei Tarkovsky (“Solaris”, 1972 e “Stalker”, 1979) conseguiria estender as fronteiras da ficção científica além dos limites apresentados por Kubrick, chegando a desafiar a própria definição da mídia, ao usar o silêncio e imagens estáticas. No mundo do mercado e do lucro nada assim poderia ser tentado impunemente (a própria refilmagem de “Solaris” por Steven Soderbergh, em 2002, não o faz), e é por isso que a própria existência de “2001” já descreve um tempo que estava para se encerrar.

REFLEXÃO E ENTRETENIMENTO

Nos anos 70 do século passado, enquanto os grandes estúdios se viam ameaçados de falência, as produções de ficção científica começaram a escassear.
Criações esmeradas continuaram a ser realizadas depois de “2001”, como a própria “Clockwork Orange” (“A Laranja Mecânica”, 1971) também de Stanley Kubrik, baseada no livro de Anthony Burgess, onde a genial interpretação de Malcolm McDowell parece nos conduzir a um olhar sobre a violência da juventude, mas no fim revela a presença desta não apenas no resto da sociedade, mas até nas instituições e práticas do Estado voltadas para combatê-la.
Outros podem ser citados, como a declaração ecológica de “Silent Running” (“A Corrida Silenciosa”, 1972) de Douglas Trumbull; ou ainda outro clássico sobre a violência, “Rollerball” (1975) de Norman Jewison. Porém, no geral parecia que o gênero estava estagnado como fenômeno de massa, destinado, talvez, a tornar-se um produto inviável, só raras vezes permitido pela política dos estúdios de cinema, como havia ocorrido aos musicais e westerns, a despeito do sucesso das tentativas cada vez menos freqüentes. Também continuavam sendo produzidos filmes de baixo orçamento, entretanto a era de ouro das matinês e dos drive-ins havia passado e esses trabalhos não tinham mais o mesmo impacto cultural. No entanto, seria uma produção de ficção relativamente barata, idéia de um diretor conceituado mas de pouca experiência, que anunciaria a possibilidade de uma mudança na maré e um retorno do cinema aos seus dias de glória.
“Star Wars” (“Guerra nas Estrelas”, 1977) de George Lucas, foi um dos maiores sucessos de bilheteria da década de 70 e além, e era uma clássica história de herói, de autoria do próprio Lucas e inspirada nos conceitos de Joseph Campbell, autor de “The Hero with a Thousand Faces”. A trilogia de filmes (e sua continuação, mais de duas décadas depois) apresentaria um conto narrado às avessas, onde a luta do bem contra o mal seria apenas a camada superior de inúmeras leituras possíveis. A rica colagem de imagens, personagens e idéias fez sucesso dentro e fora do mundo do cinema, garantindo um renovado interesse na ficção, bem como a evolução do gênero, que deixou em parte a sua posição marginal, passando a atrair investimentos cada vez mais generosos por parte dos estúdios.
Além disso, toda uma nova geração de cineastas começava a aceitar esse tipo de temática, levando a uma série de realizações clássicas, como “Close Encounters of the Third Kind” (“Contatos Imediatos do 3º. Grau”, 1977) de Steven Spielberg e “Alien”(“Alien: O Oitavo Passageiro”, 1979) de Ridley Scott.
E se Spielberg retornaria muitas vezes à ficção, produzindo ou dirigindo e sempre com resultados respeitáveis, é um outro clássico de Ridley Scott que merece destaque: “Blade Runner” (“O Caçador de Andróides”, 1982). Inspirado no conto “Do Androids Dream of Eletric Sheep” de Philip K. Dick, e no quadrinho “The Long Tomorrow” de Jean “Moebius” Giraud, esse filme se tornaria um marco, com sua estética primorosa, mistura de visuais cyberpunk com a estrutura narrativa do cinema Noir. Sob a chuva constante, a trilha sonora de Vangelis costura as cenas sombrias de um futuro nada acolhedor, em que Harrison Ford gradativamente perderá a medida da humanidade, caçador se confundindo com a presa, e homem com a máquina.
Já então a televisão, outrora considerada a maior ameaça para o futuro do cinema, estava contribuindo para o mesmo, através de adaptações como “Star Trek: The Motion Picture” (“Jornada nas Estrelas: O Filme”, 1979) de Robert Wise, cujo sucesso levaria a nove continuações pelas décadas seguintes. E a literatura de ficção também seria usada como referência, com maior ou menor sucesso, como “Dune” (“Duna”, 1984) de David Lynch, inspirada no clássico de Frank Herbert; ou “Starship Troopers” (“Tropas Estelares”, 1997) de Paul Verhoeven.
Neste momento em que o mercado do vídeo se tornava um concorrente para as salas de exibição, a indústria cinematográfica, soube investir em mecanismos de comercialização que garantiram seu crescimento continuo nas décadas seguintes, mesmo depois do surgimento dos DVDs. E a ficção-científica não ficou de fora dessa nova era de ouro do cinema, com uma proliferação de novos títulos todos os anos, alguns dos quais memoráveis.
“Matrix” (1999) dos irmãos Wachowski, é um marco recente, questionando o próprio sentido de realidade em uma clara associação à idéia da substituição da mesma por um mundo de simulacros, defendida pelo filósofo Jean Baudrillard. Sob a roupagem de uma aventura futurista, esse tema complexo mostra a vitalidade do gênero, assim como a sua liberdade para buscar inspirações que vão do esotérico ao hermético, envolvendo-as com o eterno artifício cinematográfico: a imagem contadora de histórias, o movimento ilusório que, na ficção, resgata a mágica dos efeitos especiais inaugurada nos filmes de Méliès… para entreter o expectador e, se ele desejar, para fazê-lo pensar.
E no entanto, a despeito desse renovado sucesso, bem como do direcionamento que resgatou o aprimoramento técnico e a riqueza temática e narrativa da ficção científica, a sua relação com o cinema permaneceu a mesma: uma discreta afinidade, pontuada por um relativo desdém. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas se manteve receosa de oferecer seu prêmio maior a produções que tivessem quaisquer ligações com o universo do fantástico. Na verdade, poucas vezes eles chegaram sequer a ser indicados para o Oscar de Melhor Filme, e nem mesmo clássicos como “The Wizard of Oz” (“O Mágico de Oz”, em 1939) ou “Star Wars” (“Guerra nas Estrelas, em 1977) conseguiram vencer esse preconceito e conquistar a estatueta.
Até Stanley Kubrick foi vítima desse estigma: de suas 5 indicações para o Oscar, três foram para melhor filme, sendo duas com produções ligadas à ficção: “Dr. Strangelove” (“O Dr. Fantástico”, em 1964) e “Clockwork Orange” (“A Laranja Mecânica”, em 1971). Mas, no fim, ele só conseguiu arrebatar o prêmio uma vez, e seria o de Melhores Efeitos Visuais, por “2001”.
Esse tipo de premiação seria uma constante, tanto para o cinema de ficção como para o de fantasia, notoriamente considerados estilos marginais, independentemente do sucesso que experimentassem, tanto com público como com a crítica. Um tabu que só seria rompido muito recentemente com “The Return of the King” (“O Retorno do Rei, 2003) de Peter Jackson, a terceira e última parte da sua adaptação cinematográfica para a trilogia “O Senhor dos Anéis” de J.R.R.Tolkien.
Os três filmes que compõe essa obra concorreram, mas, apesar de todos acumularem vários prêmios, apenas o terceiro ganhou na categoria principal, como se a Academia relutasse até a última hora. Claro que se pode argumentar que não foi para uma criação de ficção científica e sim de fantasia, não obstante a natureza épica e o sentido ao mesmo atemporal e contemporâneo do insuperável trabalho de Tolkien. Mas pode-se dizer que os gêneros se aproximam e, algumas vezes, se misturam claramente, como é o caso de “Star Wars”.
Até defini-los é uma tarefa difícil, embora possamos recorrer ao mestre Rod Serling, para quem “A ficção científica é o improvável feito possível, enquanto a fantasia é o impossível feito provável”.
Se assim for então teremos formas espelhadas e complementares, ocupando nichos próximos no panteão do Cinema Fantástico, que, todavia, ainda terá de vencer muitos preconceitos dentro e fora da Academia hollywoodiana. Talvez até permaneçam como formas secundárias de arte cinematográfica, em um mundo que prefere ver na violência do crime ou da guerra o seu paradigma estético. Mas, até pelo apelo inegável de produções que, ano após ano, se mantém sempre entre as mais bem sucedidas, não há dúvida de que essa parceria de longa data está longe de se encerrar.

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