(ou como falar de Nietzche sem ser uma mala total)
Um dos meus dois escritores brasileiros favoritos atualmente atende pelo nome de Fábio Hernandez (o outro chama-se José Roberto Torero). Hernandez assina uma imperdível coluna na última página da revista VIP, chamada "O Homem Sincero". Uma vez, ele escreveu que um sábio tio tinha lhe dito que não adianta ler muitos livros na vida, e sim se prender a apenas poucos autores, aqueles que lhe dão prazer na leitura.
Mesmo antes de ler esse conselho, já era adepto a essa atitude. Procuro me concentrar e entender alguns poucos, ao invés de vomitar conhecimento acadêmico. Um desses poucos favoritos que freqüentam a minha cabeceira está o suíço, radicado em Londres, Alain de Botton.
Alain de Botton escreveu um dos meus cinco livros favoritos em todos os tempos: "Ensaios de Amor". No livro, De Botton utiliza da matemática, da física, da química, da filosofia, da numismática e de outras ciências para analisar o cotidiano de seu namoro. E a conclusão? Nada dura eternamente. E sempre há um começo.
O escritor é uma celebridade. Não apenas no circuito intelectual, mas como um fenômeno popular. Nas paredes dos adolescentes britânicos, além de fotos de bandas de rock, freqüentemente pode se encontrar o rosto simpático do escritor. Simplesmente porque Alain de Botton, 31 anos, em seus livros, costuma sempre apresentar respostas para quase todos os problemas que afligem os corações humanos, como amor e falta de dinheiro.
Seu último livro, "As Consolações da Filosofia" (287 páginas, R$ 32), recém-lançado no Brasil pela editora Rocco, foi eleito um dos melhores livros de 2000 pela crítica inglesa e o alçou de vez à qualidade de mito, inaugurando a febre dos "cerebral celebrities", como eles dizem. De Botton foi eleito o principal escritor da Inglaterra, e o canal de TV Channel Four o convidou para apresentar uma série de programas sobre como a filosofia pode auxiliar as pessoas no dia-a-dia.
"As Consolações da Filosofia" sugere que a filosofia pode oferecer respostas para todas as mazelas humanas. A partir das idéias de seis filósofos – Sócrates, Epicuro, Sêneca, Montaigne, Schopenhauer e Nietzsche – Alain de Botton apresenta exemplos de consolação para impopularidade, para a insuficiência de dinheiro, frustração, inadequação, coração partido e para dificuldades em geral. O escritor abusa de seus estilo bem-humorado, quase confessional, fazendo uso de capítulos curtos e lançando mão de muitas ilustrações.
O livro é dividido em seis capítulos, um para cada filósofo. No capítulo "Consolação para a impopularidade", a vida e a morte de Sócrates são apresentadas como um convite ao ceticismo racional. O autor utiliza o método socrático de raciocínio para estimular o leitor a desenvolver as suas próprias opiniões. Segundo Sócrates, em diversas ocasiões é necessário ter força para não levar a sério as opiniões alheias.
Já segundo Epicuro, a busca da felicidade pelo prazer é um alento para quem tem pouco dinheiro e muita dívidas. De acordo com o epicurismo, a felicidade é relativamente independente dos bens materiais. Em "Consolação para frustração", a vida de Sêneca é abordada, dando ênfase a sua única tese: a de que suportamos melhor as frustrações para as quais nos preparamos e somos atingidos principalmente por aquelas que menos esperamos. Segundo Sêneca, para garantir uma vida sem grandes frustrações, espere sempre por uma tragédia.
Montaigne é o responsável em confortar quem sente inadequação sexual, cultural ou intelectual. O escritor francês tinha reservas quanto à erudição livresca, questionava a racionalidade humana e defendia o diálogo franco sobre as atividades genitais. Os problemas amorosos são discutidos por Schopenhauer em "Consolação para um coração partido". O filósofo alemão garante que o amor nada mais é do que a manifestação da descoberta do pai e da mãe ideal para um prole inteligente e bonita. Segundo Schopenhauer, o consolo para a rejeição amorosa é saber que esta foi conseqüência de uma lei da natureza.
Já Nietzsche garante, em "Consolação para as dificuldades", que é impossível atingir uma vida plena sem passar por grandes períodos de dificuldade. Esse último é o favorito de de Botton. "Ele é extremamente complexo e diz muitas coisas ao mesmo tempo, em diferentes tópicos".
"As Consolações da Filosofia" é o sexto romance de Alain de Botton, todos disponíveis no Brasil. O autor estreou com o aclamado "Ensaios de Amor", em seguida vieram "O Movimento Romântico", "Nos Mínimos Detalhes" e "Como Proust Pode Mudar a Sua Vida". Nesse último, o autor mostra como o filósofo Proust pode auxiliar as pessoas em todas as situações do cotidiano. No entanto, é um livro totalmente diferente de "As Consolações...".
Além dos programas para o Channel Four, de Botton prepara um novo livro, que deve sair em junho próximo. "Até junho eu devo lançar um novo livro, acho que sai primeiro aqui na Inglaterra, na Australia e nos Estados Unidos. Deve chamar a 'A Arte de Viajar'. É uma meditação do por que nós saímos em viagem", promete Alain de Botton, por telefone, de Londres. Confira abaixo, a entrevista que o escritor deu com exclusividade ao Scream & Yell.
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Scream & Yell – Alguns críticos britânicos classificaram “As Consolações da Filosofia” como sendo um livro de auto-ajuda. Você se incomoda com esse rótulo?
Alain de Botton - Atualmente, em todo o mundo, a literatura de auto-ajuda tem uma reputação muito ruim. Existem muitos livros no mercado chamados "Como Mudar a Sua Vida em 5 Minutos", "Como Ser Feliz Para Sempre" e "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas". Muitos desses livros são mau escritos, piegas e pouco confiáveis. No entanto, eu acho que não existe nada de errado com a idéia de um livro que você possa ler e mudar a sua vida de alguma forma. Eu acho que essa é uma idéia amável e é a base dos trabalhos de muitos grandes filósofos da antigüidade, como Seneca, Epicuro, Sócrates entre outros. E no meu livro, eu tentei olhar para esse filósofos que fizeram uma espécie de literatura de auto-ajuda. Eles fizeram trabalhos destinados a ajudar as pessoas – uma idéia que hoje parece ser totalmente popular e vulgar, graças aos picaretas dos escritores de hoje. Quem sabe, talvez, com o meu livro, nós consigamos inventar uma nova categoria de literatura de auto-ajuda. Pode ser: "literatura de auto-ajuda de qualidade" (risos)
O que o levou a escrever sobre filosofia? Quando você começou a trabalhar nesse livro?
Eu sempre me interessei por filosofia, porque é a área onde as grandes questões da vida residem: qual é ponto da vida, o que devemos pensar sobre a morte, por que o amor é triste e melancólico, se Deus existe, se sim, por que existem pessoas muito ricas e outras muito pobres, coisas assim. Eu comecei a escrever esse livro em outubro de 1997. Eu procurei analisar seis filósofos que se interessaram nessas questões fundamentais – e também pensaram em respostas fascinantes. Muitas dessas respostas, a partir do que eu descobri, fizeram com que eu me reeducasse e aprendesse como viver.
Sempre associam o seu nome à onda de escritores pop, como Nick Hornby. Você se considera um escritor pop?
Eu não saberia te dizer o que é, exatamente, um escritor pop. Talvez seja um escritor que consegue alcançar muitas pessoas, de diferentes idades e classes sociais. Eu gosto da idéia de poder me comunicar com pessoas de idades variadas, mas eu não gosto do trabalho do Nick Hornby ou do Irving Welch e esses escritores. Talvez eu possa reinterpretar esse seu conceito de escritor pop. Se nós definirmos um escritor pop como sendo uma pessoa que atinge muitos, então Shakespeare e Cervantes eram escritores pop. E eles eram verdadeiramente sábios e geniais.
Geralmente rotulam como escritores pop aqueles que utilizam uma linguagem moderna, apropriando-se de elementos da música e do cinema, por exemplo, em suas narrativas. Talvez eles sejam taxados de pop por serem bem populares entre os jovens, que os idolatram como ídolos, estampando-os em pôsteres pelo quarto. Isso acontece com você, não?
(risos) Eu realmente já ouvi dizerem por aí que andam estragando paredes com fotos minhas. Mas, sinceramente, eu nunca conheci ninguém que tenha um pôster meu em seu quarto. Acredito que seja uma brincadeira sua (risos). E eu não utilizo de referências pop, eu procuro utilizar referências antigas e torná-las mais acessíveis, fáceis de serem entendidas e aplicadas no cotidiano.
Mas você não pode negar a sua popularidade, certo? Isso aumenta a pressão de fazer um bom trabalho quando começa um livro?
Definitivamente, sim. Cada novo livro é como se eu voltasse à estaca zero, voltar ao passado, sendo sempre aquele cheio de dúvidas e hesitações. É impossível para um escritor genuíno ser arrogante ao ponto de se achar genial e dono do poder de escrever um bom livro sempre que se dispuser. Escrever é muito difícil.
Quando bateu a idéia de fazer esse livro?
A idéia para um livro é sempre o resultado de pequenas idéias que vão chegando juntas. Então, existia uma primeira idéia de escrever sobre filosofia, então um monte de idéias subsequentes sobre filósofos, forma de escrever, abordagens, etc, foram chegando. Mas tudo isso estava na minha mente entre 1987 e 1997.
Existe alguma coisa de autobiográfico em seus livros?
Tem muito da minha vida nos meus livros. Meus livros são sempre autobiográficos, mesmo se eu escrever sobre Seneca ou Nietzsche, não vou deixar de ser pessoal. Eu acredito que existem maneiras de ser pessoal, com a qual o escritor não precise dizer, "hoje eu acordei e senti x". Isso é horrível. Você pode ser bem pessoal e passional escrevendo sobre Nietzsche. Eu me inspiro nos problemas, sempre que alguma coisa dá errado na minha vida, eu sempre começo a pensar e escrever.
Este foi o livro mais complicado que escreveu? Mais do que o do Proust?
Esse livro foi bem mais complicado do que o Proust, porque eu tive seis filósofos para falar. Muito mais difícil do que falar apenas de um. Esse livro quase me matou.
Quais dos filósofos abordados no livro é o seu favorito?
Particularmente eu gosto do Nietzsche – ele consegue ser extremamente complexo e diz muitas coisas em diferente tópicos.
Muito obrigado.
Eu que agradeço. E comprem meu livro no Brasil.
por Alexandre Petillo, do site Scream&Yell
*Alain de Botton é um dos meus autores favoritos,
quando estou perdida na vida é ele e Bukowski
que me salvam.
Quem estiver a fim, faço questão de emprestar os livros.
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